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Radiação de Travagem em LEP

Os efeitos da radiação de travagem em LEP são muito importantes mesmo quando não são directamente detectados. A curva da ressonância do Z$^0$ é um exemplo claro: a secção eficaz do pico da distribuição é reduzida em 26$\%$ e a sua posição é deslocada de $\sim$ 110 MeV devido à emissão de fotões muito pouco energéticos [1].

Em LEP2 os efeitos são mais fortes e mais claros. Um grande número de aconte-cimentos ocorre a energias efectivas muito reduzidas em relação à energia de centro de massa nominal, após a emissão de fotões de Bremsstrahlung muito energéticos.

Para serem comparadas com os dados, as previsões teóricas têm de ser conhecidas com muito grande precisão. Os processos electrofracos pesquisados em LEP são calculados analiticamente até à primeira ordem na teoria perturbativa na maior parte dos casos (para a medição da curva do $Z^0$ os cálculos foram feitos a O($\alpha^2$)), mas esta precisão não é suficiente para descrever correctamente os fortes efeitos da Electrodinâmica Quântica.

Os efeitos do Bremsstrahlung são dominados pela emissão de fotões de muito baixa energia a muito baixo ângulo polar, colinearmente à direcção da partícula carregada. Nos cálculos analíticos, isto corresponde a uma divergência infra-vermelha, no limite de baixa energia, enquanto que a emissão colinear é descrita pelo loga-ritmo de $Q^2$/$m_e^2$, que se torna demasiado grande devido à diferença de escala entre a pequena massa do electrão e a alta energia transferida ($Q$).

A divergência infra-vermelha é normalmente tratada pelo recurso a um valor mínimo limite; a emissão colinear diverge se a massa do electrão for considerada nula mas o valor finito de $m_e$ surge como limite natural. No entanto, no cálculo de cada termo da série perturbativa, surgem potências mais elevadas de $\ln{(Q^2/m_e^2)}$ fazendo com que a convergência se torne extremamente lenta. O método exclusivamente perturbativo não é, assim, o indicado para descrever o Bremsstrahlung.

A melhor forma de lidar com este problema é separar os efeitos da QED, nomeadamente o Bremsstrahlung, dos processos electrofracos. O processo físico é então decomposto na convolução entre o processo primário a estudar e as correcções radiativas da QED. O processo primário é calculado perturbativamente e são utilizadas outras técnicas na descrição precisa dos efeitos da QED.

Uma vez que as singularidades da Electrodinâmica Quântica são bem conhecidas e têm uma estrutura mais simples do que a da teoria completa, é possível acelerar a convergência da expansão perturbativa (pela redefinição e reordenamento dos termos) ou seleccionar apenas os termos dominantes das ordens superiores, limitando os cálculos necessários.

Tendo percebido que a grandeza das correcções radiativas provém dos factores L= $\ln{(Q^2/m_e^2)}$ o cálculo de cada ordem pode ser simplificado. A contribuição para cada observável pode ser separada em termos logarítmicos dominantes (proporcionais a $\alpha^n.L^n$), termos logarítmicos de segunda ordem (proporcionais a $\alpha^n.L^{n-1}$)) e assim por diante. Na maior parte das aplicações, apenas os termos dominantes (e por vezes os de segunda ordem) são utilizados.

A série perturbativa da QED não é normalmente ordenada apenas por potências de $\alpha$ mas segundo uma "expansão pragmática em logaritmos dominantes". No cálculo da ordem $n$ da expansão pragmática todos os termos proporcionais a $\alpha^i.
L^{i-j} < \alpha^{n+1}.L^{n+1}$ podem ser omitidos. Por exemplo para o cálculo da radiação de estado inicial em LEP (com $\sqrt {s}$ = 183 GeV), $L = s/m_e^2 \sim$ 26, e a inclusão de todos os termos não dominantes de O($\alpha^2$) não aumenta a precisão da terceira ordem pragmática; de facto, o termo logarítmico dominante de quarta ordem é previsto ser maior do que o termo proporcional a $\alpha^2.L^0$. [2].

O cálculo dos efeitos da QED é, assim, mais simples e pode ser feito com muito maior precisão. Existem numerosos métodos para corrigir a secção eficaz de cada processo (como a troca de $Z^{0}$/$\gamma~$) a cada energia nominal para os efeitos de Bremsstrahlung, com a correspondente mudança da energia de colisão efectiva e do espaço de fases disponível. A grande precisão das correcções analíticas faz com que seja possível extrair estes efeitos da análise dos dados.

Historicamente, as interacções electrofracas têm sido analisados depois da subtracção dos efeitos da QED dos dados. De tal forma que os dados correspondentes a uma determinada interacção podem ser directamente comparados com a amplitude calculada num sub-conjunto do modelo sem o Bremsstrahlung da QED. A maior vantagem desta técnica é que esta "subtracção da QED" subtrai, ao mesmo tempo, a maior parte da dependência no detector utilizado tornando também mais directa a comparação entre diferentes experiências.

Com o aumento das energias de centro de massa, no entanto, cresce o número de fotões emitido e muitos deles tornam-se detectáveis: podem ser mais energéticos e a probabilidade de que nem todos eles sejam colineares é também maior - os fotões de ISR são agora tão presentes como as outras partículas de estado final. Os seus espectros têm de ser bem conhecidos e os fotões já não podem ser "subtraídos" dos acontecimentos.

Para uma descrição completa dos Bremsstrahlung, tanto os fotões visiveis como os que são indetectáveis têm de ser considerados. Tem de ser feita uma separação entre os fotões fortes, energéticos, e os fracos, indetectáveis. Esta distinção não é rigorosa e o valor de separação deve ser escolhido muito abaixo da resolução de energia do detector.

Feito isto, a parte da secção eficaz que corresponde à divergência infra-vermelha pode ser calculada, uma vez que não altera a topologia dos acontecimentos. A emissão de fotões fracos será sentida principalmente como um factor multiplicativo da secção eficaz.

Também a emissão de fotões fortes pode ser calculada: cada fotão adicional como uma correcção de ordem mais alta em teoria de perturbações, em correcções aos diagramas $e^+e^- \rightarrow $$Z^{0}$/$\gamma~$ $\rightarrow q\bar{q}$. A emissão de fotões fortes não pode ser completamente separada porque a topologia de cada acontecimento depende da energia e direcção de emissão dos (vários) fotões emitidos.

A maior parte dos fotões fortes ainda não será detectada directamente, uma vez que eles são, na sua maior parte, emitidos colinearmente e se escapam pelo tubo do anel. Mas a energia de colisão efectiva será reduzida e a massa invariante do par $q\bar{q}$ dará uma indicação da energia dos fotões não detectados. O espectro da massa invariante $q\bar{q}$ de acontecimentos produzidos a $\sqrt {s}$=183 GeV e em que não há fotões detectaveis é apresentado na figura 2.1a).

Figure: a), distribuição da massa invariante do sistema $q\bar{q}$ (em acontecimentos detectados como $q\bar{q}$); b) e c), distribuições da energia e ângulo polar do fotão (em acontecimentos detectados como $q\bar{q}\gamma$); d) e e), distribuições de energia do fotão mais e menos energético (em acontecimentos $q\bar{q}\gamma\gamma$). Os acontecimentos foram gerados a uma energia nominal de 183 GeV, usando KoralZ. \begin{figure}
\mbox{\epsfig {file=gtot.eps,width=1.\linewidth}}
\end{figure}

É visível que, na maior parte dos acontecimentos $q\bar{q}$, a radiação de estado inicial reduziu a energia de colisão. Existe um pico bem definido na massa do Z$^0$ - o chamado pico do retorno radiativo. Embora a secção eficaz diferencial do Bremsstrahlung não favoreça fotões energéticos, a convolução com a secção eficaz de troca de um Z no canal $s$, com um pólo a $Q^2 = M_Z^2$, torna provável que uma grande parte dos acontecimentos ocorram a uma energia de colisão efectiva $\sqrt{s'} = M_Z$. Também a troca de um $\gamma$ tem uma maior secção eficaz a baixas energias de colisão e, por isso, existem também "retornos radiativos" a estas energias. Os acontecimentos com energias de centro-de-massa efectivas superiores a 95$\%\sqrt{s}$ representam apenas 20$\%$ do número total de acontecimentos $q\bar{q}$ produzidos a 183 GeV.

O número de acontecimentos $q\bar{q}\gamma$ em que o fotão é um fotão de ISR é também grande e mesmo o número de acontecimentos com mais do que um fotão detectado é significativo. Nos dados recolhidos a 183 GeV por DELPHI, com 50 pb$^{-1}$, existem cerca de 1000 acontecimentos $q\bar{q}\gamma$ e cerca de 100 acontecimentos $q\bar{q}\gamma\gamma$.

O espectro de energia dos fotões em acontecimentos $q\bar{q}\gamma$ é apresentado na figura 2.1b). A principal característica deste espectro é um pico a 70 GeV, correspondente ao retorno radiativo ao Z$^0$. Outro pico, mais pequeno, no limite cinemático $\sqrt{s}/2$, provém da troca de um fotão. A secção eficaz de troca de um $\gamma$ cresce para $\sqrt{s} \rightarrow 0$ e o limite cinemático corresponde ao balanço de energia e momento entre o fotão real de ISR e um par $q\bar{q}$ de muito baixa massa invariante que recua contra este.

A interferência entre as trocas de Z$^0$ e $\gamma$ não reduz os picos esperados das amplitudes individuais. A interferência é construtiva ao longo do espectro de energia dos fotões emitidos e, embora não contribua para nenhuma região em particular, tem de ser considerada para uma descrição correcta da energia de colisão efectiva e da secção eficaz.

Outra característica do espectro de energia do fotão é o rápido crescimento na direcção do limite de baixa energia. Esta é uma característica típica da radiação de travagem: a divergência infra-vermelha. Também a divergência colinear é visível na figura 2.1c), a maioria dos fotões detectados encontrar-se-á na região de baixos ângulos polares.

Os espectros dos fotões detectáveis em acontecimentos $q\bar{q}\gamma\gamma$ são também apresentados na figura 2.1: d) e e) mostram as distribuições de energia do fotão mais e menos energético, respectivamente - num grande número de acontecimentos o primeiro fotão corresponde ao retorno radiativo ao Z e o segundo é um fotão de baixa energia.

Para a comparação com os dados, os cálculos analíticos do Bremsstrahlung não são só por si suficientes. A emissão dos fotões fortes altera a topologia dos acontecimentos e esse facto tem de ser tido em conta quando se aplicam os limites de aceitância do detector ou outros cortes experimentais. Os geradores de Monte Carlo são da maior importância no estudo destes acontecimentos. No próximo capítulo serão descritos três geradores de com diferentes características e, nomeadamente, os métodos que utilizam para introduzir o ISR no processo $e^+e^- \rightarrow $ $Z^{0}$/$\gamma~$ $\rightarrow q\bar{q}$.

Para um tratamento completo do Bremsstrahlung é ainda necessário considerar a emissão por partículas do estado final. Embora a radiação de estado final (FSR) não seja o objectivo da tese, deve ser referido que, embora os seus efeitos não sejam tão importantes como os do ISR, têm de ser considerados. Neste momento, a radiação de estado final da QED não pode ser calculada directamente nos acontecimentos com quarks, uma vez que compete com os efeitos da Cromodinâmica Quântica (QCD). Em geral, o Bremsstrahlung é calculado ao nível dos quarks, antes de se considerar a hadronização; no entanto, isto pode levar a uma sobre-estimativa da taxa de emissão [3]. Por outro lado, o ISR e o FSR não são independentes e também a interferência entre os dois processos deveria ser calculada, mas é em geral desprezada nos cálculos. De qualquer forma, o Bremsstrahlung no estado final não tem uma grande influência na secção eficaz e os fotões não serão, em geral, detectados isoladamente uma vez que, sendo colineares aos quarks, serão incluídos nos jactos de partículas provenientes da hadronização.

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Sofia Andringa
2001-09-07