L I P

Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas

L I P

L I P [PARTICLES AND TECHNOLOGY]

fechar X

Roberto Salmeron (1922 - 2020)

LIP-ECO/SBF | 18 Junho, 2020

"O físico brasileiro teve uma carreira notável e desempenhou um papel importante no início do desenvolvimento da física de partículas em Portugal. Partiu a 17 de Junho de 2020, aos 98 anos"


Roberto Salmeron nasceu em S. Paulo a 16 de Junho de 1922. Entrou para a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1940. Depois de se formar, trabalhou depois no CBPF a convite de César Lattes. Foi depois para Inglaterra, onde concluiu doutoramento em raios cósmicos na Universidade de Manchester, em 1955, sob orientação de Patrick Blackett (prémio Nobel de 1948). Foi logo a seguir contratado pelo CERN, onde trabalhou em física de neutrinos. Ficou no CERN até 1964, quando decidiu voltar ao Brasil para ser um dos fundadores da Universidade de Brasília. O golpe militar ocorrido poucos meses após o seu regresso, a a consequente expulsão e perseguição de vários professores, levou Salmeron e outros a pedir a demissão. Salmeron escreveu o livro “A Universidade interrompida: Brasília 1965-1965” em 1999. Voltou ao CERN em 1965. Em 1967 foi contratado como professor da École Polytechnique em Paris, onde permaneceu até ao final da sua carreira. Criou, em 1969, a École Gif-sur-Ivette para promover intercâmbios científicos.

"O Roberto Salmeron foi muito importante para Portugal  na fase pré-LIP e não só", afirma Mário Pimenta, actual presidente e membro fundador do LIP. Na École Polytechnique, em Paris, Roberto Salmeron foi orientador de vários jovens portugueses que aí fizeram o doutoramento em física de Partículas, e que vieram a fundar o LIP: José Mariano Gago, ainda na década de 1970, e, no início da década de 1980, João Varela e Paula Bordalo, ambos na experiência NA10 do CERN. Sérgio Ramos, também na École Polytechnique mas na experiência NA14, conviveu igualmente de perto com Roberto Salmeron. NA38 foi a primeira experiência em que Portugal participou como país membro do CERN, através de um instituto que também apareceu pela primeira vez, o LIP. Mais uma vez, a ligação próxima com Roberto Salmeron teve um papel importante, assim como com Louis Kluberg e Peter Sonderegger. “O Roberto foi alguém muito gentil para com todos os portugueses que estiveram em NA38. Foi um gosto tê-lo conhecido”, diz Conceição Abreu, também investigadora do LIP desde a primeira hora, e membro de NA38. Luís Peralta, estudante de doutoramento em NA38, lembra: "Tive o enorme privilégio de o conhecer pessoalmente e trabalhar com ele em NA38. Foi como físico e como pessoa, um exemplo. Acima de tudo era um Gentleman".

Terminamos com os testemunhos emocionados dos seus orientandos João Varela e Paula Bordalo, cada qual à sua maneira.

Diz Paula Bordalo: "Estamos muito emocionados…Nunca é demais salientar que o Roberto era uma personalidade extraordinária e um grande pedagogo. Foi bastante marcante no início das nossas  vidas científicas (foi orientador de doutoramento do José Mariano Gago, do João Varela, e também meu orientador). Foi com ele que aprendemos a pensar em Física de Partículas e a fazer cálculos sem recorrer sistematicamente aos programas de computador. Fica uma grande tristeza…”  Paula Bordalo lembra ainda que  "Em 2013, o Roberto fez um vídeo sobre o seu percurso na Física de Partículas, muito pedagógico (e político), como sempre foi a sua postura."

Paula Bordalo partilhou connosco algumas fotos do último encontro com Roberto:

Roberto e Sonia Salmeron com Paula Bordalo e Sérgio Ramos, Paris, Novembro de 2015

  

Fotos: P. Bordalo


Em memória do meu supervisor  (Texto de João Varela)

O Roberto foi o meu orientador de tese de doutoramento. Não consigo disfarçar a emoção que o seu falecimento me causa. Cheguei a Paris em 79 depois de uma longa viagem de comboio. No dia seguinte lá dei como se chegava ao LPNHE da École Polytechnique na periferia sul de Paris. Tudo era novo, tudo era aterrador. Tentando suportar o peso da timidez, dirigi-me ao secretariado e consegui dizer num francês meio esquecido do liceu que era o novo estudante português. Porquê esta carga de ser português? Naqueles tempos era assim. Em França os portugueses trabalhavam nas obras e viviam em bidonvilles. Apareceu o Patrick Fleury, o director, cabelos compridos, o Maio de 68 não estava longe. Cumprimentou-me, foi ao corredor e gritou “Robertô, il est la, l’étudiant portugais!”. (Ainda não sabia como pronunciar as três vogais seguidas em João...). O Roberto saiu do gabinete de braços abertos. Ouf, estava em casa!

O Roberto era um personagem. Extremamente respeitado na comunidade científica, com uma longa e prestigiosa carreira, conhecia toda a gente no CERN. Teria então perto de sessenta anos. O Roberto sentia a física na pele, intuitivamente, nalguns aspectos lembrava o Feynman. Conseguia ter a visão dos projectos que valem a pena. Foi dos primeiros a falar dos iões pesados e do interesse em adaptar o espectrómetro de muões em que trabalhávamos para essa física. Daí nasceu NA38, a primeira experiência no CERN com participação oficial de um grupo português.

O Roberto era um gentleman. De uma grande retidão moral e com um sentido de justiça profundo, punha as relações humanas no epicentro. O seu enorme sorriso e boa disposição natural ajudavam muito. Preocupava-se genuinamente com as pessoas, acima de tudo. A física era importante, mas vinha depois. Generoso, nunca fugia às responsabilidades. Em 1982 organizou em Paris o Colloque International sur l’Histoire de la Physique des Particules. Muitos nomes «históricos»: Amaldi E., Auger P., Dalitz R., Gell-Mann M., Iliopoulos J., Nishijima K., Pontecorvo B., Schwinger J., Weisskopf V., e muitos outros. Na primeira apresentação, Peyrou falava sobre o papel dos raios cósmicos no desenvolvimento da física de partículas. Como suporte utilizava “slides” projectados por aquelas máquinas infernais de há quarenta anos de que alguns ainda se lembrarão. Um operador junto ao projector colocado a meio do auditório no corredor central, fazia avançar os slides quando o orador no palco indicava. Volta e meia o projector encravava, para grande enervamento do Peyrou. Em dado momento o Roberto salta do lugar e toma o comando do projector. Não houve mais slides encravados! O Roberto era assim.    

O Roberto foi um amigo incondicional de Portugal e muito ajudou ao desenvolvimento da física de partículas no nosso país. Tinha sido o orientador do José Mariano uns cinco ou seis anos antes, e depois pela mesma altura foi também orientador da Paula Bordalo. Entre nós falávamos português, claro. Havia uma certa conivência ou talvez apenas a nostalgia dos nossos países distantes. O Roberto dizia, “quando estou cansado só há uma língua que falo bem”. Muito anos mais tarde percebi o que queria dizer. Ainda meu orientador, referia-se várias vezes ao José Mariano por quem tinha uma grande admiração. Um dia disse-me que o José Mariano escrevia tão bem que não fez nenhuma correcção ao seu texto de tese (em francês!). Comigo não teve a mesma sorte.

Roberto, esta é a minha forma desajeitada de te dar um último abraço.
João

 

Address

Contacts


Send me a message/comment

Logos institucionais


    Parceiros
  • Co-financiado
    Co-financiado


Política de cookies

Este site utiliza cookies, com o objetivo de melhorar a sua utilização. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização.


Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas   LIP.PT

Window-Size
// User: carlos@lip.pt EDITAR GUARDAR