Hoje na Nature Human Behaviour: conhecimento, confiança e atitudes face à ciência
"O estudo hoje publicado apresenta provas convincentes de que tanto o excesso de confiança como as atitudes negativas face à ciência atingem máximos em níveis intermédios de conhecimento. Uma investigação do grupo SPAC do LIP e colaboradores, liderada por Joana Gonçalves-Sá. A Nature destacou o estudo num Research Briefing."
Há muito que o excesso de confiança, que surge quando os indivíduos avaliam subjectivamente a sua competência como sendo maior do que os seus conhecimentos objectivos, é reconhecido como um problema fundamental na apreciação e tomada de decisão. Mas a forma de avaliar esse desfasamento está longe de ser trivial. No caso do conhecimento científico, a falta de consciência da própria ignorância pode ter impacto nos comportamentos, pôr em risco políticas públicas e até prejudicar a saúde.
No estudo hoje publicado, os investigadores examinaram quatro grandes inquéritos realizados ao longo de 30 anos na Europa e nos EUA e procuraram desenvolver uma nova métrica de confiança que fosse indirecta, independente de escalas e aplicável em diversos contextos. A equipa de investigação usou inquéritos com o formato “Verdadeiro”, “Falso”, “Não Sei” e utilizou o rácio entre as respostas incorrectas e as respostas "Não sei" como uma métrica do excesso de confiança, considerando que as respostas incorrectas poderiam indicar situações em que os inquiridos acreditavam saber a resposta mas estavam enganados, demonstrando excesso de confiança.
Os resultados revelaram duas conclusões fundamentais. Em primeiro lugar, o excesso de confiança tende a crescer mais rapidamente do que o conhecimento, atingindo o seu máximo em níveis intermédios de conhecimento. Em segundo lugar, os inquiridos com conhecimentos intermédios e elevado grau de confiança também apresentaram as atitudes menos positivas em relação à ciência.
Para validar as suas conclusões, os investigadores desenvolveram um novo inquérito, analisaram quantitativamente o trabalho de outros colegas e utilizaram duas métricas directas e não comparativas de confiança, que confirmaram a tendência de que a confiança aumenta mais rapidamente do que o conhecimento.
As implicações destes resultados são de grande alcance e desafiam os pressupostos convencionais sobre estratégias de comunicação científica. Embora a apresentação de informações simplificadas possa oferecer um nível básico de compreensão, também pode levar a um aumento do excesso de confiança entre aqueles com algum (embora pouco) conhecimento. Assim, o estudo sugere que esforços destinados a promover o conhecimento, se não forem acompanhados por um equivalente esforço para transmitir uma certa consciência do muito que fica por compreender, podem ter efeitos imprevistos. Também sugere que intervenções devem ser dirigidas a indivíduos com conhecimentos intermédios, uma vez que estes constituem a maioria da população e tendem a apresentar as atitudes menos positivas face à ciência.
No entanto, os investigadores alertam para o facto de o estudo não implicar causalidade, de terem sido observadas diferenças individuais e culturais e de a métrica de confiança poder não ser generalizável a temas fora do conhecimento científico. De um modo geral, este documento apela a uma maior exploração de esforços interdisciplinares e de métricas integradoras que possam medir com maior exactidão tanto o conhecimento como a confiança.
Link: https://www.nature.com/articles/s41562-023-01677-8
O destaque na Nature Human Behavior, com ilustração de João Fazenda: https://www.nature.com/nathumbehav/
A Nature decidiu também destacar este estudo num Research Briefing: https://www.nature.com/articles/s41562-023-01678-7
Nota de imprensa: AQUI